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INCORPORAÇÃO DAS CLÁUSULAS DAS CONVENÇÕES COLETIVAS NOS CONTRATOS INDIVIDUAIS DE TRABALHO


Conceito de convenção coletiva de trabalho

Segundo o festejado mestre Russomano “convenção coletiva de trabalho é o convênio entre o sindicato operário e o sindicato patronal correspondente ou empresas individualmente consideradas, tendo por objeto principal a estipulação de normas a serem respeitadas através dos contratos individuais de trabalho e por objeto secundário a criação de direitos e obrigações assumidas pelos convenentes a título próprio”.

O artigo 611 da CLT define a convenção coletiva como o acordo de caráter normativo, entre um ou mais sindicatos de empregados e de empregadores, de modo a definir as condições de trabalho que serão observadas em relação a todos os trabalhadores dessas empresas. Eis aí o efeito erga ommes.






O § 1° do artigo 611 da CLT esclarece que os acordos coletivos são os pactos entre uma ou mais empresas com o sindicato da categoria profissional, em que são estabelecidas condições de trabalho, aplicáveis a essas empresas.

O ponto em comum da convenção e do acordo coletivo é que neles são estipuladas condições de trabalho que serão aplicadas aos contratos individuais dos trabalhadores, tendo, portanto, efeito normativo. A diferença entre as figuras em comentário parte dos sujeitos envolvidos, consistindo em que o acordo coletivo é feito entre uma ou mais empresas e o sindicato da categoria profissional, sendo que na convenção coletiva o pacto é realizado entre o sindicato da categoria profissional, de um lado, e o sindicato da categoria econômica, de outro.


Conteúdo da convenção coletiva de trabalho

As cláusulas de que se compõe a convenção coletiva encerram o seu conteúdo.

Segundo Cabanellas, as cláusulas dos convênios coletivos são de três espécies:

a) Cláusulas que regem a convenção. É o caso norma convencionada sobre o prazo de vigência do convênio. Podemos chamá-las de cláusulas instrumentais, no sentido de que funcionam como instrumentos da vida da convenção.


b) Cláusulas obrigacionais. São aquelas que estabelecem as obrigações assumidas, em nome próprio, pelos sindicatos ou empresas, uns frente aos outros. Resultam de tais cláusulas compromissos diretos e concretos, que vinculam, não as categorias alcançadas pelos convênios, mas, sim, os próprios convenentes. Nesse sentido, as cláusulas obrigacionais em nada diferem, quanto à sua natureza jurídica, das cláusulas do contrato civil, comercial ou mesmo do contrato individual de trabalho. Por isso, podemos denomina-las cláusulas contratuais.


c) Cláusulas normativas. Através delas são criadas condições de trabalho, mediante a indicação das normas que, com força obrigatória, devem ser respeitadas na celebração dos contratos individuais.

Portanto, a diferença entre as cláusulas contratuais e normativas radica em sua própria natureza. Enquanto as primeiras criam obrigações diretas para os convenentes, as segundas estabelecem as normas adotadas pelas partes, como verdadeiras regras de conduta, que disciplinam seu comportamento, mas submetem à sua determinação o contrato individual de trabalho que venha a ser celebrado por qualquer integrante das categorias alcançadas pela convenção.

As cláusulas contratuais criam obrigações imediatas, isto é, incidem, diretamente, sobre fatos concretos; as cláusulas normativas, dispondo em caráter geral, não incidem sobre os fatos, mas, sim, sobre outros atos jurídicos (contratos individuais de trabalho), que a elas se subordinam, sob pena de nulidade.

Uma cláusula prevendo multa para o sindicato que descumprir a convenção tem caráter obrigacional, pois possui a característica de uma obrigação assumida pelo sindicato como pessoa jurídica. Já uma cláusula que assegura aumento salarial para toda a categoria tem natureza normativa.

Incorporação das cláusulas das convenções coletivas nos contratos individuais de trabalho

As cláusulas obrigacionais extinguem-se com o término da vigência da norma coletiva. A dúvida ocorre justamente quanto às cláusulas normativas. Questiona-se se estas têm ultratividade e se ficam incorporadas aos contratos de trabalho, mesmo após o término do prazo de sua vigência.


Na doutrina existem duas correntes sobre o tema: uma justificando a incorporação das cláusulas normativas no contrato de trabalho e a outra ponderando pela não incorporação.

Os juristas que defendem a primeira corrente, sustentam que as novas condições de trabalho não podem vir a prejudicar o empregado, encontrando respaldo no art. 468 da CLT; que a convenção coletiva tem caráter normativo (caput do art. 611 da CLT); que as disposições do contrato individual de trabalho não podem contrariar convenção ou acordo coletivo de trabalho (art. 619 da CLT). Considera-se que as vantagens habitualmente concedidas ao empregado, não são suscetíveis de supressão, pois os ajustes tácitos, derivados da habitualidade, devem integrar o contrato de trabalho do empregado. E ainda, invocam que as normas coletivas findas produzem direito adquirido para os trabalhadores, incorporando-se as vantagens ali deferidas aos contratos de trabalho dos empregados antigos.


Os juristas filiados a segunda corrente, sustentam que as normas coletivas têm prazo certo de vigência (art. 613, II, e art. 614, § 3°), sendo que as condições ajustadas valem para o respectivo prazo de vigência (art. 613, IV, da CLT).


Posicionamento jurisprudencial sobre o tema

A primeira corrente é que vinha prevalecendo na jurisprudência, todavia, foi editado o Enunciado n° 277 da súmula do TST, que veio a prestigiar a segunda corrente, assim ementado:


“As condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa vigoram no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva, os contratos”.(Res.10188-DJU 3.3.88)

Tal enunciado se refere apenas às sentenças normativas, porém é aplicado analogicamente em relação aos acordos e convenções coletivas.

Dispositivo legal regulando a matéria


Com a promulgação da Lei n° 7.788/89, surgiu norma regendo o tema. O parágrafo único do artigo 1° do referido mandamento legal deixou claro que “as vantagens salariais asseguradas aos trabalhadores nas convenções ou acordos coletivos só poderão ser reduzidos ou suprimidos por convenções ou acordos posteriores”.


Dessa forma, estava patente que as vantagens salariais asseguradas aos trabalhadores por normas coletivas findas somente poderiam ser reduzidas ou suprimidas por convenções ou acordos posteriores. Não existindo acordos ou convenções modificando as condições anteriores asseguradas, haveria incorporação destas ao contrato de trabalho.

Contudo, a Lei n° 7.788/89, foi revogada pela Lei n° 8.030/90 (Plano Collor), em seu artigo 14. O parágrafo único do artigo 1° da Lei n° 8.222/91, que tratava do tema, foi vetado pelo Presidente da República.

Para eliminar a controvérsia existente, o § 1° do artigo 1° da Lei n° 8.542/92 veio disciplinar que “as cláusulas dos acordos, convenções ou contratos coletivos de trabalho integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser reduzidos ou suprimidos por posterior acordo, convenção ou contrato coletivo de trabalho”.

Conclusão

A Constituição Federal de 1988 consagrou regras de flexibilização de normas de Direito do Trabalho, principalmente por meio de convenção ou acordo coletivo. Preconizando que o salário pode ser reduzido por convenção ou acordo coletivo (art. 7°, VI); a jornada de trabalho pode ser compensada ou reduzida, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho (art. 7°, XIII); a jornada em turnos ininterruptos de revezamento pode ser superior a seis horas, por intermédio de negociação coletiva (art. 7°, XIV).

Logo, está evidenciado que a Lei Maior prevê a alteração in pejus das condições de trabalho, com fulcro na negociação coletiva entre as partes interessadas, mormente pelo reconhecimento do conteúdo das convenções e acordos coletivos (art. 7°, XXVI), prestigiando a autonomia privada coletiva dos convenentes.

Outrossim, restando claro nos exatos termos do § 1° do artigo 1° da Lei n° 8.542/92, que há a possibilidade de redução ou supressão de cláusulas normativas através de acordos, convenções ou contratos coletivos de trabalho.


Tal dispositivo legal em perfeita consonância com o texto constitucional, consagra a negociação coletiva como o instrumento adequado para as partes interessadas fixarem as cláusulas normativas que entenderem que devem ser mantidas, reduzidas ou suprimidas.

Portanto, é de se entender que as cláusulas normativas das convenções coletivas de trabalho não se incorporam definitivamente nos contratos individuais de trabalho.

Referências Bibliográficas


ALMEIDA, Renato Rua de. Revista LTR 60-12/1602 – vol.60, n° 12, dezembro de 1996.

MARTINS, Sérgio Pinto. “Direito do Trabalho”, 2ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 1995, págs. 692, 698 à 703.

RUSSOMANO, Mozart Victor. “Princípios Gerais de Direito Sindical”, 2ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1995, págs. 150, 179 à 181.

(*) Estudo publicado no Jornal do 12° Congresso Brasileiro de Direito Coletivo e de Direito Constitucional do Trabalho – Editora LTR – 1997, págs. 20/21.

(*) Advogado, especialista (pós-graduação) em Direito do Trabalho pela UNIFMU/SP e em Gestão de Serviços Jurídicos pela FGV/EDESP. (http://www.marciorocha.adv.br/).